quinta-feira, 23 de julho de 2015

SENTIMENTOS






        O passarinho do vizinho quer entrar no meu quarto.
       
        Sempre que acordo e abro a janela lá está ele a me olhar, saltitando na gaiola pendurada na parede contígua ao meu prédio. Ele vive pulando do poleiro de cima para o de baixo, de baixo para cima, dezenas de vezes ao dia pois não há espaço para voar na cela onde está.
       
        Repete sempre um canto melódico que mais parece lamentos sonoros do que alegria.  Que vida!
       
        O quer faz um passarinho ser preso.  Seu cantar?  Sua Beleza?
       
        Nem seu dono será capaz de dar uma resposta convincente para justificar tal atitude. Vejo no jardim ao lado um beija-flor voando entre os arbustos solvendo o néctar das flores que beija. Mais além pardais num alegre gorjear catam no chão, seus alimentos.
        
        Volto a olhar para a gaiola e lá está o passarinho do vizinho, prisioneiro de um animal humano egoísta. Que vida! Sem vida.                                                                                         
       
        As vezes o passarinho gruda seus pezinhos na grade lateral da gaiola e fica calado olhando para mim.
        
        Com um binóculo fui observar mais de perto os movimentos da pequena ave. Apareceu então um passarinho voando, pousou na gaiola pelo lado de fora e passou a comer alpiste enfiando o bico no comedouro através da grade.
          
        O outro pulou para o poleiro de cima e ficou olhando o intruso comer os grãozinhos da sua alimentação. Este, após nutrido, voou para o espaço que a natureza criou para todos os seres vivos usufruírem e escafedeu-se.
         
        O passarinho da gaiola saltou angustiado para a grade em frente a mim onde ficou calado a me olhar.
        Ajustei o foco do binóculo e olhei com mais atenção, então uma tristeza imensa invadiu minha alma. Nos olhos do passarinho, vi lágrimas.
        


segunda-feira, 6 de julho de 2015

O SONHO DE UM BICHEIRO


        O Bicheiro Alfredo chegou em casa naquele domingo “chapadão”. Bebeu “todas” durante o churrasco na residência do Sr. Guiomar, seu patrão.
         Apostadores da Banca de Jogos do Bicho ouviam sempre Alfredo elogiar o patrão, mas não o conhecem. Uns dizem que é um homem muito bom; outros diziam que é uma mulher muito “boa”; alguns afirmam que o Banqueiro Guiomar é as duas coisas.
        Alfredo nem chegou a entrar, deitou-se na rede esticada na varanda e adormeceu. Roncava e assobiava tão alto que Elisa, sua esposa, ao escutar o ronco do marido gritou para as crianças:
       -  A panela de pressão chegou! Está lá na varanda. Não acordem ele.
       As duas meninas e o caçulinha correram para ver o pai na ânsia de ganhar guloseimas que ele sempre traz para os filhos. Olharam o pai deitado na rede, mas não ousaram acordá-lo e retornaram aos fundos da casa onde continuaram a brincar.
        Alfredo dormiu das quatro horas da tarde até à meia noite. Acordou, tomou um banho demorado, dirigiu-se para a sala, ligou a televisão e chamou a mulher.
        - Flor. Oh! Flor. Vem cá.
        Elisa não gosta deste chamado. Na verdade, ele a chama nos momentos íntimos de minha couve-flor por ela ser gordinha e bonita. Atendeu ao chamado, sentou-se na poltrona menor de frente ao marido e ficou na expectativa do que ele teria a dizer.
        - Querida! Hoje eu exagerei. Comi e bebi muito. Você me desculpe. Tive um sonho horrível. Escuta só:
        - Estava sentado à beira de um riacho, pescando bem cedinho, ouvi vozes ao redor e fui verificar. Encontrei um macaquinho falante conversando com um papagaio. Ele dizia:
        -  Purrupaco, fui à feira na cidade catar umas bananas, ouvi um falatório sobre um mosquito dengoso que está fazendo o maior sucesso. Ele beija qualquer pessoa que encontra. Deixa ela apaixonada, quente, de olhos brilhantes e corpo todo molenga. O “cara” é poderoso. Tem gente morrendo por causa dele, você sabia?
        -Não!!!  Esta pergunta de novo?  Não aguento mais.  Aqui na mata não tem este beijoqueiro, não.
         A perereca que tomava banho de sol em cima do jacaré, deu sua opinião:
         --É um mosquito importado do Egito. Se aparecer na floresta eu como todos eles.
         O jacaré revirou os olhos para o alto e zangou com a perereca:
        - Você está muito assanhadinha. Quer morrer? Eu a carrego nas costas desde quando éramos filhotes. Você sabe muito bem que a sua perninha defeituosa não lhe permite ficar pulando muito. Sossega perereca assanhada. O mosquito dengoso é um inseto “chique”, vive nas cidades, mora em garrafas plásticas, pneus velhos, vasos de plantas. Aonde houver água  parada é ali que ele gosta de morar. Sua comida favorita é sangue de bicho humano.
        Muito bom jacaré! Aplaudiu o papagaio Purrupaco que alegando sua condição de pássaro voador expressou também sua opinião:
        - Na minha modesta visão este mosquito nasceu em laboratório. Tem até nome científico - AEDES AEGYPTI. Não é problema nosso; é assunto dos Humanos. Eles têm que exterminar o dengoso de todas as cidades senão este inseto vai acabar desfilando na passarela do samba, jogando beijinhos para os turistas.
         - Elisa, foi aí que acordei assustado, suando muito, com dor de cabeça. Será que estou com dengue?
         -Não marido. Foi um sonho sobre um terrível mosquito. Quanto a sua dor de cabeça é uma velha amiga sua. É ressaca. Vou fazer um café amargo com umas pimentas malaguetas amassadas pra você ficar bonzinho. Tem que beber tudo, senão eu faço greve. Entende?
         -Greve!  Logo hoje?  Não!  Pode encher a xícara e vem quente que eu estou fervendo.