Tenho um vizinho mudo. Eu sempre
passava por ele, trocava olhares, mas a pressa nunca permitiu que o percebesse
melhor. Ele sempre calado, quieto; diariamente isso acontecia, e o tempo que
não para foi passando.
Num dia chuvoso daqueles temporais
torrenciais, me impossibilitou de sair de casa. Fui então ver meu vizinho mudo,
com mais demora e levei um grande susto. Ele olhou nos meus olhos, mostrou-me
vários detalhes da minha pessoa que eu desconhecia, mas estavam ali na minha frente.
Foi um choque cruel. Ele disse nos meus olhos, cara a cara, que eu
estava mais velho, careca com alguns cabelos brancos dos lados, gordo quase
obeso e barrigudo. O que aconteceu comigo? Perguntei a mim mesmo; logo eu que
era um rapaz bonito, atlético, disputado pelas meninas do bairro. Foi o tempo;
passou e não percebi.
Agora, já sessentão, meu vizinho mudo mostra
com toda sua imparcialidade, que estou descendo a escada da vida. Mais quarenta
anos? Talvez eu não exista. Eu nem me lembrava
de que era mortal, mas ninguém é imortal nem os da academia de letras. É assim
o período de vida de todas as coisas viventes: nascer, crescer, envelhecer e
morrer.
O vizinho mudo não morrerá? Não. Creio que não. Ele já existia antes do
meu nascimento.
Ele está em muitas casas,
impassível, olhando para qualquer pessoa, se você parar e olhar bem, ele lhe
mostrará muitos detalhes interessantes.
Pra você saber: ele é tão sincero e
verdadeiro quanto você deseja que seja. O espelho.
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